quarta-feira, 31 de maio de 2017

Devemos vacinar nossas crianças? – Capítulo III

Mas, afinal de contas, como funcionam as vacinas para nos proteger das doenças infectocontagiosas?
O sistema imune é o componente do corpo responsável por detectar a presença de organismos ou substâncias que possam ser de alguma forma nocivos para a saúde do indivíduo. Ao reconhecer o risco associado ao contato do corpo com um agressor (vírus, bactérias, fungos, protozoários e parasitas), os componentes do sistema imune devem responder produzindo substâncias ou mobilizando células que têm por objetivo destruir o agressor. De uma forma simplificada, existem dois componentes mais importantes do sistema imune que estão envolvidos nessa resposta: anticorpos e linfócitos. Uma característica importante dos anticorpos e linfócitos é que eles são extremamente especializados. Por exemplo, quando o organismo fabrica um anticorpo, ou ativa um linfócito contra o vírus da caxumba, estes servirão apenas para combater o vírus da caxumba e nenhum outro agressor. É importante salientar que quando uma pessoa tem quantidades adequadas de linfócitos e anticorpos contra um determinado agressor, num eventual encontro, o agressor será rapidamente destruído e a pessoa não manifestará a doença.
Entretanto, as pessoas não nascem com anticorpos e linfócitos prontos para combater os mais diversos tipos de agressores presentes na natureza. Ou seja, o nosso repertório do sistema imune não vem pronto quando nascemos. Para proteger uma criança no início da vida, a mãe transfere uma certa quantidade de anticorpos pela placenta, e mais um pouco pelo leite, durante a amamentação (destaco aqui mais este importante benefício da amamentação). Tais anticorpos são capazes de proteger a criança até aproximadamente o sexto mês de vida. Daí em diante, a criança terá que combater as doenças por sua própria conta.
Para construir o seu repertório imunológico a criança precisa entrar em contato com o potencial agressor. É exatamente aí que mora o perigo. Após entrar em contato com o agressor, será necessário algum tempo para que anticorpos sejam fabricados e linfócitos ativados em quantidades suficientes para oferecer segurança na luta contra o agressor. Na maior parte das vezes, os agressores não são muito vorazes e a criança conseguirá controlar a infecção adequadamente depois de alguns dias. Porém, existem agressores que são bastante rápidos e eficientes de tal forma que, enquanto o organismo da criança está tentando produzir anticorpos e ativar linfócitos, o agressor já proliferou muito e causou danos que muitas vezes são irreversíveis, podendo inclusive levar à morte da criança.
Assim, conseguir combater danos causados por agentes infecciosos é uma questão de equilíbrio entre o tempo de resposta do organismo e a agressividade do agente infeccioso. Devendo o tempo de reposta ser mais rápido do que o potencial agressivo do agente infeccioso. Existem agressores que invariavelmente tem um potencial agressivo e uma velocidade de proliferação maiores do que a capacidade de resposta da maior parte dos seres humanos. Ou seja, se uma pessoa entrar em contato com estes agressores sem ter uma defesa previamente montada, haverá uma chance bastante grande desta pessoa ficar gravemente debilitada ou mesmo morrer. Por sorte, ao longo dos anos, os pesquisadores vem conseguindo identificar a maior parte dos agentes infecciosos que tem grande potencial de agressividade. Podemos citar aqui os vírus da varíola, sarampo, hepatite B, caxumba e raiva; ou bactérias como aquelas causadoras de meningite, coqueluche, pneumonia e peste. Os pesquisadores aprenderam também a cultivar estes agentes infecciosos e torna-los menos agressivos (inativando-os de alguma forma).
Ao injetar em uma pessoa uma pequena quantidade destes agentes na sua forma inativada, obtém-se uma resposta do sistema imune que é suficiente para protege-la por muitos anos de um eventual encontro com o agente presente na natureza. Os pesquisadores aprenderam também que para alguns agentes infecciosos é necessária a injeção da forma atenuada do agente mais de uma vez, daí as doses de reforço de algumas vacinas. Ao vacinarmos uma pessoa ela produz anticorpos e ativa linfócitos específicos contra aquele agente agressor utilizado para fabricar a vacina. O mais importante é que o sistema imune tem memória. Isto permite que muitos anos após a vacinação a pessoa ainda preserve a capacidade de combater o agente agressor. Assim, de forma resumida, a vacinação é um procedimento preventivo no qual um agente infeccioso numa forma atenuada é injetado em uma pessoa com o objetivo de estimular a produção de anticorpos e ativar linfócitos de memória que protegem o individuo por muito anos de um eventual encontro com o agente infeccioso em questão.
Pronto, agora só precisamos saber o que está acontecendo em regiões onde houve redução do número de crianças vacinadas. Este será o tema do Capítulo final desta série.


segunda-feira, 29 de maio de 2017

Devemos vacinar nossas crianças? - Capitulo II

No início do século XIX a expectativa de vida dos seres humanos estava em torno de 30 anos. Havia enorme mortalidade infantil por problemas no parto, condições sanitárias precárias, e infecções diversas. Quando sobreviviam à primeira infância, as pessoas, ao se exporem às condições insalubres dos aglomerados humanos, tinham grande chance de adquirir diversos tipos de doenças infectocontagiosas como sarampo, varíola, difteria e coqueluche, entre outras. Para a maior parte daquelas enfermidades não existia qualquer tratamento ou qualquer abordagem preventiva que modificasse a história natural das doenças. Sobreviver era uma questão de sorte (sabemos hoje que embutidos nesta sorte, haviam fatores genéticos e ambientais que poderiam contribuir para proteger parte da população).
O século XIX foi marcado por uma das maiores revoluções econômicas, sociais e científicas da história da humanidade. Enquanto a revolução industrial dava seus primeiros passos em Manchester (Inglaterra), estudos progrediam com o objetivo de aprimorar o procedimento desenvolvido por Jenner e tornar a vacinação um método passível de ser empregado para proteger grandes populações do risco de varíola. Quando o método se tornou reprodutível e adequado para emprego em um grande número de pessoas, o Reino Unido promulgou o Vaccination Act (1853), primeira lei no mundo a regulamentar o procedimento de vacinação. Durante o restante do século XIX, pesquisadores trabalharam focados no desenvolvimento de métodos de vacinação para outras doenças. Em 1900, já existiam vacinas para varíola, tétano, febre tifóide, raiva e cólera. A esta altura, a expectativa de vida dos seres humanos já havia alcançado 48 anos no Reino Unido e um pouco menos em outras regiões desenvolvidas, porém continuava próximo a 30 anos em áreas subdesenvolvidas. Apesar de ser inquestionável o papel das mudanças econômicas e sociais obtidas durante a revolução industrial, grande parte do ganho em expectativa de vida pode ser atribuído aos programas de vacinação que já estavam em curso.
Na transição dos séculos XIX/XX métodos e conceitos revolucionários introduzidos por grandes pesquisadores como Koch e Pasteur permitiram que outros tipos de vacina fossem produzidos. Entretanto, somente a partir das décadas de 1950/1960 a produção de vacinas ganhou características industriais possibilitando a distribuição para populações de várias regiões do mundo. A partir da década de 1970, a Organização Mundial de Saúde (OMS) passou a participar ativamente da difusão de informação, estímulo e controle das iniciativas de vacinação em todo o mundo. Isto permitiu que populações vivendo em regiões pobres e remotas do planeta pudessem finalmente se beneficiar dos avanços que se iniciaram graças ao brilhantismo de Jenner.
Hoje existem vacinas eficientes utilizadas para prevenir mais de 30 doenças. Pelo menos uma doença já é considerada erradicada, a varíola; várias outras tem sua incidência bastante controlada na maior parte do mundo: peste, poliomielite, sarampo, raiva, tétano e difteria, por exemplo (vejam a figura que acompanha este texto, ela mostra como o número de casos de poliomielite diminuiu em paralelo a abrangência da vacinação, a figura foi modificada a partir de uma figura disponibilizada no site da OMS). Uma das inquestionáveis consequências destes avanços é o continuo aumento da expectativa de vida no mundo. Na média mundial, seres humanos vivem hoje 68 anos; porém, em regiões mais avançadas como o Japão, a expectativa de vida já chega a 83 anos. Impossível não atribuir à vacinação uma parcela considerável deste ganho.




sexta-feira, 26 de maio de 2017

Devemos vacinar nossas crianças? – Capítulo I

Inicio esta postagem dizendo que a pergunta que dá título a este texto não deveria sequer ser considerada no século XXI. Entretanto, em várias partes do mundo, um número crescente de mães e pais têm denegado a seus filhos o direito de serem protegidos de doenças potencialmente fatais ao não permitir que eles sejam vacinados. Ao longo da história, desde a implementação de programas de vacinação, vários movimentos tentaram convencer a população que vacinação poderia predispor a outras doenças. Uma das correntes atuais do movimento antivacinação divulga que haveria risco aumentado de desenvolvimento de autismo pelas crianças vacinadas. Invariavelmente, todos estes movimentos foram desmistificados pelos fatos científicos. Entretanto, com a expansão das mídias sociais, tais informações voltaram a ganhar força colocando em risco avanços alcançados pelos programas de vacinação.
Para tentar convencer aqueles que ainda tem alguma dúvida a respeito dos benefícios da vacinação tracei a seguinte estratégia: i, primeiro vou contar a história de como a vacina foi desenvolvida; ii, em seguida vou mostrar alguns números que revelam como a vacinação foi um dos avanços da medicina que mais impactaram na expectativa de vida dos seres humanos; iii, vou explicar como a vacina funciona para nos proteger de doenças; iv, vou mostrar o que está acontecendo em regiões onde o número de crianças vacinadas diminuiu nos últimos anos. Como a estrutura do Blog Ciência & Saúde prevê textos curtos para estimular a leitura, decidi dividir este tema em quatro partes. Aqui, no Capitulo I, conheceremos a história de Edward Jenner, o homem que desenvolveu a vacina.
Jenner era médico, e trabalhou na cidade de Berkeley na Inglaterra de 1772 até sua morte em 1823. Naquela época, a varíola (doença causada por um vírus) era uma importantíssima causa de morte em populações do mundo todo. A cidade de Berkeley tinha uma economia rural forte, na qual a produção de leite bovino se destacava. Cuidando da saúde das pessoas da região, Jenner observou que a gravidade e a mortalidade por varíola era menor em profissionais envolvidos na lida e ordenha de vacas de leite. Ele sabia que os bovinos podiam desenvolver uma forma de varíola (varíola bovina) que diferia um pouco da varíola humana. As pessoas que trabalhavam com os bovinos infectados pela varíola bovina podiam adquirir uma forma leve da doença, apresentando pequenas lesões na pele, que invariavelmente evoluíam bem sem consequências graves para saúde. Jenner observou que tais pessoas eram protegidas da varíola humana. Com base nesta observação ele formulou a hipótese que a infecção prévia pela varíola bovina protegeria as pessoas da varíola humana. Para testar sua hipótese, Jenner colheu um pouco de pus de lesões de varíola bovina de uma de suas pacientes, Sarah Nelmes, que trabalhava com ordenha de vacas. O pus colhido de Sarah foi injetado na pele de James Phipps, um menino de 8 anos que nunca tinha tido varíola bovina ou humana. Poucos dias após receber a injeção de pus, James desenvolveu um quadro leve similar à varíola bovina. Semanas após sua recuperação, Jenner injetou no menino pus que havia colhido de lesões de varíola humana de outra de suas pacientes. Para seu contentamento e como marco da inauguração de um dos maiores avanços da história da medicina, o menino James não apresentou qualquer sintoma de varíola humana.
Este experimento foi repetido em mais sete pessoas, sempre com os mesmos resultados. Em 1797, Jenner apresentou seus resultados para a Academia de Ciências do Reino Unido. Os membros da Academia consideraram que os resultados eram potencialmente interessantes, porém pediram que Jenner expandisse o número de observações. Durante vários meses Jenner trabalhou realizando o mesmo procedimento em várias outras crianças. Sua crença no método era tamanha, que até mesmo o seu filho foi incluído no estudo. Em 1798 a Academia reconheceu a validade do estudo e autorizou sua publicação. Os estudos continuaram por vários anos e por causa de seu indiscutível efeito, o procedimento passou a ser adotado com obrigatório no Reino Unido a partir do ano de 1853 com a promulgação do Ato de Vacinação, a primeira lei que regulamentou a vacinação.
A palavra vacina foi escolhida para nomear este procedimento pois no latim a palavra vaca é vaccínia. Em todos os textos a respeito dos maiores avanços da história da medicina, o feito de Edward Jenner desponta entre os 10 mais importantes. Para mim, esta é a história mais brilhante da medicina. Opinião própria!

quinta-feira, 25 de maio de 2017

Obesidade, a doença do século 21

Jornais, revistas, programas na televisão; nos mais diversos veículos de difusão de informação e conhecimento, o tema OBESIDADE é uma presença constante. O termo OBESIDADE gera 8,1 milhões de hits no Google (maio de 2017). Além disso, ao longo da história da medicina, já foram publicados mais de 260 mil artigos científicos a seu respeito.
Por que as pessoas se interessam tanto por este tema? A principal razão é o rápido aumento do número de pessoas obesas no mundo. Somos hoje 7,5 bilhões de pessoas habitando a terra, das quais, 600 milhões são obesas. Nos últimos 50 anos, enquanto a população da terra dobrou, o número de pessoas obesas aumentou 30 vezes. Uma verdadeira explosão na prevalência mundial de obesidade. Praticamente todo mundo tem algum parente ou amigo obeso.
Infelizmente apesar de inúmeras campanhas e grande disseminação de informações a respeito da obesidade, as coisas não estão melhorando. A Organização Mundial de Saúde prevê que o número de pessoas obesas deverá dobrar dentro dos próximos 20 anos. Ou seja, obesidade é a doença do século 21.
Se tornar obeso não é apenas um problema de estética, um desvio do padrão de beleza adotado pela sociedade. Não! Se tornar obeso significa aumentar consideravelmente a chance de adquirir uma série de outras doenças. Significa aumentar a chance de ter uma qualidade de vida insatisfatória. Significa aumentar a chance de morrer mais cedo do que se fosse magro.
As doenças que mais se associam à obesidade são: diabetes (aumento de glicose/açúcar no sangue), hipertensão (aumento da pressão arterial; ou seja, da pressão que o sangue tem dentro dos vasos sanguíneos) e dislipidemia (aumento de colesterol e/ou triglicérides no sangue). Por causa destas doenças, as pessoas podem sofrer ou morrer mais cedo devido a infarto do miocárdio (obstrução dos vasos sanguíneos que irrigam o coração), acidente vascular cerebral (chamado popularmente de derrame, que se deve a obstrução de vasos sanguíneos que irrigam o cérebro), insuficiência renal ou outros problemas da circulação do sangue. A obesidade também está associada a alguns tipos de câncer, como o câncer do fígado e do intestino grosso. Assim, ao desenvolver obesidade, uma pessoa passa a conviver com um grande risco que afeta de forma bastante abrangente a sua saúde.
Obesidade é o resultado da combinação de dois fatores: o aumento da quantidade de calorias que se adquire com a alimentação, e a diminuição da quantidade de calorias que se gasta com atividade física. Assim, de forma simplificada podemos considerar que uma pessoa pode se tornar obesa se comer muito e se exercitar pouco. Infelizmente, um número grande de pessoas no mundo come muito e se exercita pouco. Muitas vezes a culpa para este comportamento não é da pessoa, mas da forma como a sociedade evoluiu nos últimos anos. Por causa da mudança do tipo de trabalho e de mudanças na forma como se preparam os alimentos, a sociedade moderna tende a adotar costumes que favorecem o desenvolvimento da obesidade. Trabalhar em escritórios e comer fast-food se tornou um símbolo do desenvolvimento econômico e social, um símbolo do ser humano moderno. Este é exatamente um dos estilos de vida que mais favorece o desenvolvimento da obesidade.

A melhor forma de combater a obesidade é evitando que ela se desenvolva. Para tal, desde cedo na vida, deve se adotar uma alimentação saudável e praticar um pouco de atividade física. Para aqueles que já são obesos existem uma série de tratamentos que vão desde abordagens comportamentais, ou seja, tratamentos que tem por objetivo modificar os hábitos alimentares e estimular a prática de exercícios físicos, até tratamentos com medicamentos e mesmo cirurgias. Infelizmente, muitos conceitos e recomendações equivocadas a respeito da obesidade são publicadas com frequência em revistas, sites e blogs. Aqui no Blog Ciência & Saúde obesidade e as doenças que a acompanham serão temas frequentes. Levaremos aos nossos leitores conceitos atuais e cientificamente corretos a respeito de vários aspectos destas condições. Este é o texto inaugural do Blog Ciência & Saúde, seja muito bem vinda(o).

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